Homens passam em frente a um mural em homenagem ao presidente Nicolás Maduro em Caracas, Venezuela, em 22 de setembro de 2025. (Foto por Marcos Salgado/Xinhua)
As "demonstrações de força" de Washington, em última análise, revelam sua própria "ansiedade diante de uma América Latina que não responde mais obedientemente aos seus desígnios", disse Luis Ernesto Martinez, professor venezuelano de ciências sociais.
Por Tan Huiting e Tian Rui
Cidade do México, 19 out (Xinhua) -- A indignação tomou conta da América Latina depois que o presidente dos EUA, Donald Trump, confirmou que autorizou a CIA a realizar operações secretas na Venezuela.
A confirmação de Trump na quarta-feira ocorreu logo após o jornal americano The New York Times divulgar a diretiva confidencial, afirmando que o governo pretende remover o presidente venezuelano do poder, o que tensiona ainda mais os laços de Washington com a região.
OPERAÇÕES SOB O PRETEXTO DE "GUERRA ÀS DROGAS"
O reconhecimento incomum das operações secretas da agência de espionagem dos EUA ocorreu após uma série de ataques militares americanos nas últimas semanas contra supostos barcos de tráfico de drogas no Caribe.
O Pentágono enviou oito navios de guerra, um submarino com propulsão nuclear e mais de 6.500 soldados para o Caribe, no que a Casa Branca alega ter como objetivo reprimir o tráfico de drogas.
Desde o início de setembro, pelo menos cinco ataques fatais tiveram como alvo pequenas embarcações que, segundo Trump, a "inteligência" confirmou estarem envolvidas no tráfico de drogas, matando 27 pessoas.
"Cada barco que desativamos, salvamos 25.000 vidas americanas", disse Trump na coletiva de imprensa de quarta-feira. "Certamente estamos olhando para a terra agora, porque temos o mar muito bem controlado".
Críticos denunciaram as operações como "execuções extrajudiciais" que violavam tanto o direito americano quanto o internacional, com o diário francês Le Monde alertando que os ataques unilaterais dos Estados Unidos, conduzidos sem a aprovação do Congresso, "poderiam equivaler a uma mudança de regime disfarçada".
Enquanto isso, disputas também surgiram dentro do Pentágono sobre a legalidade dos ataques, levando à aposentadoria antecipada de Alvin Holsey, o almirante que supervisionava todas as atividades militares americanas no Caribe e na América do Sul, que supostamente se opôs a uma nova escalada.
O objetivo final, disseram autoridades americanas em particular, é remover o presidente venezuelano Nicolás Maduro do poder, informou recentemente o The New York Times. "Os Estados Unidos ofereceram 50 milhões de dólares americanos por informações que levem à prisão e condenação do Sr. Maduro por acusações de tráfico de drogas nos EUA", afirmou.
Maduro disse que os Estados Unidos "não estão travando uma guerra contra as drogas, mas sim uma guerra pelo controle do petróleo e da soberania da Venezuela", denunciando as operações americanas como uma nova forma de agressão colonial.
AMÉRICA LATINA UNIDA CONTRA A INTERVENÇÃO
O anúncio de Trump levou os líderes latino-americanos a uma defesa coletiva da soberania nacional.
A Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América - Tratado de Comércio dos Povos, que reúne países latino-americanos e caribenhos como Cuba, Venezuela e Bolívia, divulgou um comunicado na quinta-feira, classificando as operações da CIA como "uma violação direta do princípio da soberania, além de uma ameaça ao Direito Internacional e à Carta das Nações Unidas".
"Não haverá espaço para guerra ou intervencionismo na Nossa América", observou, acrescentando que a região sempre será "uma terra de paz, dignidade e resistência".
O presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, expressou na sexta-feira a solidariedade do país à Venezuela na rede social X. "Em momentos em que o império e seu líder equivocado aprovam operações secretas da CIA contra a Venezuela, expressamos nossa solidariedade a esse povo irmão e, especialmente, ao seu presidente Nicolás Maduro", disse ele.
O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, disse na quinta-feira que "nenhum presidente de outro país tem o direito de decidir o destino da Venezuela".
No mesmo dia, o Partido dos Trabalhadores do Brasil condenou a ação dos EUA como "uma afronta à soberania e uma violação do direito internacional", observando que a CIA "tem um longo histórico de operações ilegais e desestabilizadoras na América do Sul, marcadas por golpes, repressão e ditaduras sangrentas".
Da mesma forma, o presidente boliviano, Luis Arce, chamou as operações da CIA de "um claro ato de intimidação", alertando que "uma escalada militar poderia colocar em risco a paz e a estabilidade em toda a América Latina e o Caribe".
Luis Ernesto Martinez, professor venezuelano de ciências sociais, disse à Xinhua que Washington permanece ancorado em uma visão unilateral de poder, incapaz de aceitar que a América Latina não seja mais seu quintal.
"É um alerta para toda a região, um lembrete de que Washington continua disposto a usar o poder militar como instrumento de política externa", disse ele.
NOVO PRETEXTO E VELHO ESQUEMA
A autorização para permitir que a CIA realize operações letais na Venezuela e na região caribenha em geral reavivou o debate global sobre o longo e controverso histórico da CIA na América Latina, marcado por intervenções secretas, assassinatos e apoio a golpes ao longo do século 20.
Luis Ricardo Delgado, professor de Ciências Sociais da Universidade de Carabobo, na Venezuela, lembrou que as operações secretas da CIA na América Latina "não são novidade" e, no caso da Venezuela, têm sido "particularmente ativas desde 1999".
Para os Estados Unidos, a América Latina sempre foi considerada sua "esfera de influência exclusiva", acrescentou ele. "Portanto, o intervencionismo sempre foi justificado em busca de suas agendas geoestratégicas e geoeconômicas".
O professor também argumentou que a presença da CIA na Venezuela é "uma reedição atualizada da Doutrina Monroe sob novos pretextos".
Ele acrescentou que, sejam enquadrados como a "defesa da democracia" ou o "combate ao narcotráfico", esses esforços compartilham o mesmo objetivo de manter o controle político e econômico sobre os países da região, especialmente aqueles que desafiam a hegemonia dos EUA, uma constante há décadas, independentemente de qual partido detenha o poder em Washington.
Delgado pediu que a América Latina reafirme sua independência política e econômica por meio de mecanismos sólidos de integração para superar a "tutela" que Washington busca manter sobre o continente.
Analistas alertam que a tensão pode aumentar. Com as forças navais americanas estacionadas em águas venezuelanas, as forças armadas regionais em alerta e a comunicação entre os Estados Unidos e a Venezuela praticamente congelada, até um pequeno incidente no mar pode desencadear um conflito mais amplo.
Em toda a América Latina, a visão predominante é que as questões regionais devem ser resolvidas por meio do diálogo e do respeito mútuo, e não por meio da força ou de operações secretas.
As "demonstrações de força" de Washington, em última análise, revelam sua própria "ansiedade diante de uma América Latina que não responde mais obedientemente aos seus desígnios", disse Martinez, professor venezuelano de ciências sociais.