*Mediadores do conflito em Gaza assinaram um documento conjunto no Egito na segunda-feira sobre o acordo de cessar-fogo recentemente alcançado entre Israel e o Hamas.
*Muitos especialistas duvidam que o cessar-fogo leve a uma estabilidade duradoura em Gaza ou na região em geral e alertam para um caminho longo e complexo, cheio de questões fundamentais não resolvidas.
*Embora o cessar-fogo se mantenha por enquanto, muitos observadores questionam se a mediação de Washington é motivada por cálculos políticos mais profundos.
Por Guo Yage
Sharm el-Sheikh, Egito, 14 out (Xinhua) -- Egito, Catar, Turquia e Estados Unidos, mediadores do conflito de Gaza, assinaram um documento conjunto no Egito na segunda-feira sobre o acordo de cessar-fogo recentemente alcançado entre Israel e o Hamas, embora sem a presença de nenhuma das partes.
Desde que o cessar-fogo entrou em vigor na sexta-feira, o primeiro grande comboio de ajuda humanitária entrou em Gaza no domingo, e uma troca de reféns e prisioneiros em larga escala ocorreu na segunda-feira. Esses acontecimentos foram um alívio provisório para o enclave devastado pela guerra, após dois anos de operações militares israelenses que deixaram quase 68.000 palestinos mortos, infraestrutura em ruínas e fome generalizada.
No entanto, especialistas continuam muito céticos quanto à possibilidade de o cessar-fogo evoluir para uma paz duradoura, citando as fraturas políticas internas de Israel, a tarefa colossal de reconstruir Gaza e a questão inexplorada de quem governará o território após o fim dos combates.
O presidente egípcio Abdel Fattah al-Sisi (2º à esquerda, frente), o presidente americano Donald Trump (2º à direita, frente), o presidente turco Recep Tayyip Erdogan (1º à direita, frente) e o emir do Catar, xeque Tamim bin Hamad Al Thani (1º à esquerda, frente) mostram documento assinado em apoio ao acordo de cessar-fogo em Gaza durante cúpula sobre o cessar-fogo em Gaza realizada em Sharm el-Sheikh, Egito, em 13 de outubro de 2025. (Presidência egípcia/Divulgação via Xinhua)
CALMA DELICADA
O documento conjunto foi assinado durante uma cúpula copresidida pelo presidente egípcio Abdel Fattah El-Sisi e pelo presidente americano Donald Trump, com a presença de líderes de mais de 20 países, além de organizações regionais e internacionais. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, cancelou sua participação na última hora, e o Hamas não estava representado.
A presidência egípcia disse que o documento foi assinado "para apoiar o acordo de cessar-fogo em Gaza", com os participantes da cúpula pedindo "cooperação global para garantir a implementação do acordo e manter sua continuidade". A mídia egípcia descreveu o documento como "abrangente", sem fornecer mais detalhes.
Sisi, em um discurso transmitido pela mídia egípcia AlQahera News, chamou a assinatura de "um vislumbre de esperança’ e reafirmou que a solução de dois Estados continua sendo "a única maneira de consolidar a paz". Ele disse que o acordo deve levar ao estabelecimento de um Estado Palestino, acrescentando que o Egito sediará uma cúpula sobre a reconstrução de Gaza em novembro.
Enquanto isso, Trump declarou o fim da guerra em Gaza, afirmando que a reconstrução de Gaza começaria "agora" e talvez fosse "a parte mais fácil", e que isso requer a desmilitarização do enclave.
Os últimos acontecimentos ocorreram depois que Israel e o Hamas concordaram na quinta-feira com a primeira fase de um plano de paz de 20 pontos apoiado pelos EUA, com duração prevista de 21 dias, após intensas negociações em Sharm el-Sheikh.
Como parte do acordo, o Hamas libertou todos os 20 reféns israelenses vivos e devolveu vários prisioneiros mortos na segunda-feira. Centenas de prisioneiros palestinos libertados por Israel também chegaram a Gaza no mesmo dia.
O acesso humanitário também apresentou uma melhora significativa. O Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários informou no domingo que gás de cozinha havia entrado no enclave pela primeira vez desde março. Na segunda-feira, o primeiro comboio de ajuda humanitária da Turquia desde o último cessar-fogo chegou a Gaza.
"A China acolhe e apoia todos os esforços que conduzam ao restabelecimento da paz e ao alívio da crise humanitária", disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Lin Jian, na segunda-feira. Ele enfatizou que "o princípio de ‘Palestinos governando a Palestina’ deve ser mantido na governança pós-conflito de Gaza" e que os próximos arranjos "precisam respeitar a vontade do povo palestino e se encaixar na solução de dois Estados".
Nos primeiros dias do cessar-fogo, começaram a surgir sinais frágeis de normalidade e dolorosos retornos para casa. Ao longo da Estrada Al-Rashid, na costa, que liga o sul de Gaza à Cidade de Gaza, milhares de moradores deslocados retornaram, muitas vezes para bairros em ruínas. Para muitos, a alegria do retorno foi ofuscada pela escala da destruição e pela incerteza que os aguardava.
"O povo de Gaza é como nadadores que se afogam e são puxados de volta para a praia, inicialmente, muito felizes, mas essa alegria pode desaparecer rapidamente quando veem a devastação, lembram-se de seus entes queridos perdidos e percebem que os suprimentos humanitários limitados estão longe de ser suficientes para curar suas feridas", disse à Xinhua, Saeed Okasha, especialista em assuntos israelenses do Centro Al-Ahram de Estudos Políticos e Estratégicos do Cairo.

Pessoas acolhem prisioneiros palestinos libertados no Complexo Médico Nasser, na cidade de Khan Younis, no sul do país, em 13 de outubro de 2025. (Foto por Rizek Abdeljawad/Xinhua)
RACHADURAS SOB A SUPERFÍCIE
Embora o cessar-fogo tenha interrompido os combates imediatos, muitos especialistas duvidam que ele leve a uma estabilidade duradoura em Gaza ou na região em geral e alertam para um caminho longo e complexo, cheio de questões fundamentais não resolvidas.
O analista político Hussam al-Dajani, baseado em Gaza, destacou uma falha crítica no plano apoiado pelos EUA, que "não especifica a natureza jurídica e política do Estado Palestino, cuja clareza é essencial para evitar futuros confrontos".
Ressoando esse ceticismo, o analista Jihad Harb, baseado em Ramala, criticou o plano apoiado pelos EUA por sua imprecisão, principalmente no que diz respeito à estrutura e soberania de um futuro Estado Palestino.
"As circunstâncias atuais não são propícias para alcançar uma paz duradoura em breve", disse Harb, acrescentando que "os caminhos propostos divergem entre o plano dos EUA e as iniciativas internacionais baseadas na solução de dois Estados".
Steven Wright, professor da Universidade Hamad Bin Khalifa, no Catar, pediu expectativas moderadas. "Permanecem questões críticas sobre como o desarmamento será implementado e verificado, como a reconstrução pós-guerra prosseguirá e qual será o status político do Hamas".
Observando que o acordo exclui o Hamas da governança sem indicar que o grupo será dissolvido, Wright disse à Xinhua que, até que essas questões sejam esclarecidas, o acordo representa "um cessar-fogo frágil em vez de uma paz duradoura".
No domingo, Netanyahu adotou um tom desafiador em um discurso televisionado, dizendo: "Onde quer que tenhamos lutado, vencemos... Mas a campanha ainda não acabou". Ele alertou que Israel enfrenta "desafios de segurança enormes" e que "alguns de nossos inimigos estão tentando se reagrupar".
Roee Kibrik, chefe de pesquisa do Instituto Israelense de Políticas Externas Regionais, disse à Xinhua que, com a questão dos reféns resolvida, Netanyahu "provavelmente tem interesse em retomar os combates".
"Não será difícil para Netanyahu usar algum pretexto para alegar que o Hamas não foi totalmente desarmado diplomaticamente e que, portanto, uma ação militar é necessária", disse Kibrik. Ele também alertou que as facções de extrema direita de Israel continuariam promovendo sua agenda em outros lugares, "principalmente por meio de esforços contínuos de anexação e desapropriação na Cisjordânia".
Um artigo publicado pelo site The Conversation na semana passada ressaltou a fragilidade do acordo, observando que, embora as partes tenham "concordado com um roteiro para a paz em princípio", o que está em vigor se assemelha a cessar-fogo anteriores, que não são equivalentes a "um acordo de paz ou um armistício".
O artigo criticou o plano apoiado pelos EUA como "muito superficial em detalhes" e alertou que questões como a expansão dos assentamentos israelenses, o status de Jerusalém e a desmilitarização continuam profundamente controversas.
Além disso, ainda não está claro se o cessar-fogo em Gaza aliviará as tensões multifrontais de Israel na região. Um dia após a entrada em vigor do cessar-fogo, Israel lançou ataques aéreos contra seis pátios de equipamentos pesados na vila de Al-Msaylih, no sul do Líbano, matando uma pessoa e ferindo sete.
O presidente libanês, Joseph Aoun, disse posteriormente que os ataques aéreos levantaram "desafios fundamentais" para o Líbano e a comunidade internacional, "incluindo se alguém está pensando em compensar Gaza através do Líbano, para sustentar o lucro político por meio de fogo e derramamento de sangue".

Pessoas comemoram chegada de helicóptero com reféns libertados a um hospital em Petah Tikva, Israel, em 13 de outubro de 2025. (Xinhua/Chen Junqing)
O analista político iemenita Yasin Al-Tamimi disse à Xinhua que, embora o grupo houthi do Iêmen tenha prometido interromper as operações se Israel cessar os ataques a Gaza, a situação regional permanece volátil.
"Mesmo que os houthis suspendam seus ataques, a persistente percepção de Israel como uma ameaça à segurança pode manter as tensões vivas", disse Al-Tamimi, acrescentando que "Israel ainda pode ter como alvo os houthis no Iêmen, sustentando um ciclo de tensão".
PACIFICADOR AUTOINTITULADO
Embora o cessar-fogo se mantenha por enquanto, muitos observadores questionam se a mediação de Washington é motivada por cálculos políticos mais profundos.
O analista político Esmat Mansour, de Ramala, disse que "os Estados Unidos estão tentando se reposicionar e reforçar Israel como parceiro regional fundamental". Ele disse à Xinhua: "O envolvimento dos EUA visa principalmente proteger Israel após seu isolamento internacional", em vez de "garantir resultados equilibrados para todas as partes".
Nabil al-Bukiri, diretor do Fórum Árabe para Estudos e Desenvolvimento, disse à Xinhua que o plano apoiado pelos EUA está desvinculado das realidades regionais e "precisa de sinceridade e essência".
De acordo com o site de notícias iraniano Fararu, a última afirmação de Trump de que o ataque americano às instalações nucleares iranianas em junho ajudou a garantir o acordo de cessar-fogo em Gaza aponta para uma abordagem mais tática. Washington, que, juntamente com Israel, usará o cessar-fogo como potencial "pausa" para rearmar e planejar operações futuras.
"Na verdade, não há novas variáveis moldando a estratégia dos EUA, elas sempre giraram em torno de servir aos interesses de Israel", disse à Xinhua, Mootaz Ahmadein Khalil, ex-representante-permanente do Egito na ONU, acrescentando que "Trump declarou que o principal objetivo do plano é restaurar a reputação de Israel, que foi severamente prejudicada pelos crimes de guerra cometidos em Gaza".
Ele destacou objetivos estratégicos mais profundos dos EUA, como garantir o domínio regional israelense, obter maior acesso aos recursos dos Estados do Golfo por meio de projetos vinculados ao plano de desenvolvimento de Trump, eliminar o Hamas e o conceito de resistência armada e expandir os Acordos de Abraão para incluir a Arábia Saudita.
"O povo de Gaza aguentou dificuldades inimagináveis, como bombardeios, fome e doenças, sob um sistema de impunidade que contava com o apoio ocidental", disse o observador militar Ali Bin Hadi, baseado em Áden.
Diante disso, "é difícil ver os Estados Unidos, que têm sido um facilitador direto desse sofrimento, como um mediador neutro", disse ele.
(Repórter de vídeo: Wu Yao, Yu Fuqing, Guo Yage, Yang Yiran e Yao Bing; edição de vídeo: Wuyao e Hui Peipei)