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Carta do Oriente Médio: A vida não melhora depois que as armas se calam em Áden

25 de outubro de 20256 min de leitura
Carta do Oriente Médio: A vida não melhora depois que as armas se calam em Áden

Menino deslocado enche galões com água potável em um acampamento temporário para deslocados nos arredores de Áden, Iêmen, em 11 de agosto de 2025. (Foto por Murad/Xinhua)

Em Áden, as pessoas me dizem que não são mais mísseis ou tiros que as matam, mas sim a luta diária contra a escuridão, a sede, a fome e a falta de serviços básicos.

Por Murad Abdo

Áden, Iêmen, 23 out (Xinhua) -- Em uma noite abafada em Áden, quando a energia elétrica foi cortada mais uma vez, saí de casa e sentei embaixo de um poste de luz destruído. Ao meu redor, a cidade parecia engolida pela escuridão e pelo silêncio, quebrado apenas pelo zumbido irregular dos geradores particulares que forneciam luz para os poucos que podiam pagar por isso.

Pergunto-me por quanto tempo ainda teremos que aguentar essa vida. Minha amada Áden, embora não seja mais bombardeada pela guerra, está desaparecendo silenciosamente nas margens do mundo, uma cidade esquecida cuja agonia não aparece mais nas notícias.

Ainda me lembro da alegria e da esperança em julho de 2015, quando os combatentes houthis foram expulsos da cidade com o apoio das forças sauditas e dos Emirados Árabes Unidos. As famílias voltaram para casa, os mercados voltaram à vida e as crianças encheram as ruas com risadas. Por um breve momento, a paz parecia ao alcance, assim como a perspectiva de reconstrução.

Alguns imaginavam Áden ressurgindo como um centro regional, talvez até mesmo outra Dubai. Não era uma ideia absurda: o porto de Áden já foi um dos mais movimentados do mundo, uma porta de entrada vital onde os navios reabasteciam e comercializavam em sua passagem entre os continentes. Falaram em torná-la a nova capital política do Iêmen.

No entanto, esses sonhos foram destruídos um a um. Embaixadas estrangeiras e missões árabes nunca se estabeleceram aqui, muitas optando por se basear na capital saudita, Riad. Elas passam em Áden apenas algumas horas apressadas de diplomacia antes de irem embora. Prédios públicos e residenciais marcados por balas ainda estão de pé, testemunhando silenciosamente o ritmo lento da reconstrução. Áden ostenta o título de capital temporária do Iêmen como uma coroa vazia, um nome sem importância.

O próprio Iêmen está fragmentado. Os houthis se entrincheiraram no norte e no oeste, enquanto o sul se apega a um frágil governo de partilha de poder, dependente do apoio saudita, dos Emirados Árabes Unidos e do Ocidente.

Para nós, em Áden, essa divisão não é abstrata, são os postos de controle que enfrentamos sempre que vamos para o norte. Lá, militantes de várias facções param os carros, com rifles pendurados frouxamente, exigindo documentos de identidade, verificando nomes e cidades de origem para decidir quem passa e quem volta. Às vezes, eles nos detêm. O medo substituiu a liberdade como regra de viagem.

Assim como somos impedidos de ir para o norte, amigos de Sanaa e de outras províncias do norte também temem vir para o sul. Eles dizem que sentem o mesmo medo, pois a mesma desconfiança os recebe em cada posto de controle.

Prédio destruído em conflitos entre as forças do governo do Iêmen e o grupo Houthi é visto nos arredores de Áden, Iêmen, em 11 de agosto de 2025. (Foto por Murad/Xinhua)

Em Áden, as pessoas me dizem que não são mais mísseis ou tiros que as matam, mas sim a rotina diária de escuridão, sede, fome e serviços públicos precários. Os cortes de energia duram de 15 a 20 horas por dia, deixando as famílias sofrendo com o calor. A água só chega às torneiras alguns dias por semana. O lixo se acumula nos cantos, fétido sob o sol. As pessoas brincam amargamente que o sofrimento apenas mudou de forma depois que a guerra acabou.

"Estamos sendo consumidos lentamente", disse um morador, "como se a própria vida estivesse nos punindo por estarmos vivos".

O custo humano está por toda parte. No mercado, os comerciantes reclamam que as vendas caem enquanto os preços sobem. "As pessoas vêm olhar, mas não compram", disse um comerciante. "Mal conseguem comprar pão e arroz".

Em outra loja, ouvi uma conversa dolorosa. Um comerciante perguntou ao cliente: "Quando você vai pagar sua dívida?", o homem respondeu sem hesitar: "Quando o governo pagar meu salário". Em Áden, isso não é brincadeira, os salários ficam meses sem ser pagos e, quando finalmente são, mal cobrem os custos com comida e remédios.

Uma manhã, passei por uma escola perto do meu bairro em Áden. Em uma sala de aula abafada, dezenas de crianças estavam sentadas amontoadas no chão de terra batida, com seus livros em sacos plásticos porque suas famílias não podiam comprar material escolar adequado. Os ventiladores de teto estavam imóveis, não havia eletricidade.

Na frente, um professor com as roupas encharcadas de suor continuava escrevendo no quadro. Ele me disse que não recebia salário há meses, mas ainda assim vinha todos os dias. "Se fecharmos as portas da escola, as ruas os levarão", disse ele, olhando para as crianças. "E hoje em dia, as ruas significam gangues ou armas".

No meu bairro, encontrei recentemente o filho de 15 anos do meu vizinho. Ele estudou junto com meu irmão mais novo. Agora ele veste um uniforme e carrega um rifle. "Não adianta estudar", ele disse. "Meu pai está doente e aposentado, sem salário. Precisei ajudar minha família. Eles precisam de comida e remédios, não de certificados".

Suas palavras me deixaram com o coração ainda mais pesado. Em Áden, talvez não se ouça mais o rugido dos caças ou o estrondo dos projéteis como em Sanaa e em outras províncias do norte sob o controle dos houthis. Mas o silêncio em que vivemos, a ausência de governo, de serviços e até mesmo de esperança, também é um tipo de guerra.

À noite, às vezes encontro um senhor idoso em nossa viela. Ele me contou que, durante o longo governo do ex-presidente Ali Abdullah Saleh, pelo menos os salários eram pagos em dia e as luzes acendiam ao anoitecer. "Agora temos paz sem serviços", disse ele. "Que tipo de paz é essa?".

Mais tarde naquela noite, enquanto conversávamos na escuridão, meu vizinho acendeu uma pequena vela, cuja chama fraca projetava longas sombras nas paredes.

"Já passamos por coisas piores", disse ele suavemente. "Um dia, as luzes ficarão acesas, e talvez nossos filhos durmam sem medo, e essa luta para viver sem os serviços básicos e essenciais finalmente termine".

Do outro lado da viela, outro vizinho que estava ouvindo interveio, com a voz calma, mas carregada de exaustão.

"A esperança se tornou um luxo", disse ele. "Quem pode ir embora, vai. Nada mudará enquanto nosso país permanecer dividido por quem luta pelo poder. Somos apenas vítimas dessa luta".